quarta-feira, 13 de novembro de 2013

TEXTO PARA INTERPRETAÇÃO – O MILAGRE (com gabarito)

O MILAGRE
          Naquela pequena cidade as romarias começaram quando correu o boato do milagre. É sempre assim. Começa com um simples boato, mas logo o povo – sofredor, coitadinho e pronto a acreditar em algo capaz de minorar sua perene chateação – passa a torcer para que o boato se transforme numa realidade, para poder fazer do milagre a sua esperança.
          Dizia-se que ali vivera um vigário muito piedoso, homem bom, tranquilo, amigo da gente simples, que fora em vida um misto de sacerdote, conselheiro, médico, financiador dos necessitados e até advogado dos pobres, nas suas eternas questões com os poderosos. Fora, enfim, um sacerdote na expressão do termo: fizera de sua vida um apostolado.
          Um dia o vigário morreu. Ficou a saudade morando com a gente do lugar. E era em sinal de reconhecimento que conservavam o quarto onde ele vivera, tal e qual o deixara. Era um quartinho modesto, atrás da venda. Um catre (porque em histórias assim, a cama do personagem chama-se catre), uma cadeira, um armário tosco, alguns livros. O quarto do vigário ficou sendo uma espécie de monumento à sua memória, já que a Prefeitura local não tinha verba para erguer sua estátua.
           E foi quando um dia… ou melhor, uma noite, deu-se o milagre. No quarto dos fundos da venda, no quarto que fora do padre, na mesma hora em que o padre costumava acender uma vela para ler seu breviário, apareceu uma vela acesa.
          – Milagre!!! – quiseram todos.
          E milagre ficou sendo, porque uma senhora que tinha o filho doente, logo se ajoelhou do lado de fora do quarto, junto à janela, e pediu pela criança. Ao chegar em casa, depois do pedido – conta-se – a senhora encontrou o filho brincando, fagueiro.
          – Milagre!!! – repetiram todos. E o grito de “Milagre!!!” reboou por sobre montes e rios, vales e florestas, indo soar no ouvido de outras gentes, de outros povoados. E logo começaram as romarias.
          Vinha gente de longe pedir! Chegava povo de tudo quanto é canto e ficava ali plantado, junto à janela, aguardando a luz da vela. Outros padres, coronéis, até deputados, para oficializar o milagre. E quando eram mais ou menos seis da tarde, hora em que o bondoso sacerdote costumava acender sua vela… a vela se acendia e começavam as orações. Ricos e pobres, doentes e saudáveis, homens e mulheres caíam de joelhos, pedindo.
          Com o passar do tempo a coisa arrefeceu. Muitos foram os casos de doenças curadas, de heranças conseguidas, de triunfos os mais diversos. Mas, como tudo passa, depois de alguns anos passaram também  as romarias. Foi diminuindo a fama do milagre e ficou, apenas, mais folclore na lembrança do povo.
          O lugarejo não mudou nada. Continua igualzinho como era, e ainda existe, atrás da venda, o quarto que fora do padre. Passamos outro dia por lá. Entramos e pedimos ao português, seu dono, que vive há muitos anos atrás do balcão, a roubar no peso, que nos servisse uma cerveja. O português, então, berrou para um pretinho, que arrumava latas de goiabada numa prateleira:
          – Ó Milagre, sirva uma cerveja ao freguês!
          Achamos o nome engraçado. Qual o padrinho que pusera o nome de Milagre naquele afilhado? E o português explicou que não, que o nome do pretinha era Sebastião. Milagre era apelido.
          – E por quê? – perguntamos.
- Porque era ele quem acendia a vela, no quarto do padre.
(STANISLAW PONTE PRETA. O melhor de Stanislaw Ponte Preta. 3a. Edição, Rio de Janeiro, José Olympio, 1988)
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  1. Segundo o texto, o que leva o povo a acreditar no boato do milagre?
  2. No segundo parágrafo do texto temos a caracterização do vigário. Qual classe de palavras desempenha função fundamental nesse parágrafo?
  3. Justifique o uso dos parênteses no terceiro parágrafo.
  4. Um bom texto se constrói a partir de algumas sutilezas, pequenas colocações que, para um leitor desatento, passariam despercebidas. No trecho: “- Milagre!!! – quiseram todos.” explique por que a forma verbal em negrito (quiseram) foi usada, em vez de falaram ou gritaram.
  5. Que fato ajudou a consolidar o “milagre”?
  6. O texto fala de uma criança que estava doente e sarou em função do pedido que a mãe fez ao vigário. O narrador tem certeza desse fato? Explique sua resposta.
  7. Segundo o texto, o que foi necessário para oficializar o milagre?
  8. Em que passagem do texto temos a universalização da crença no milagre?
  9. O narrador emite um juízo de valor a respeito do português. Qual é esse juízo de valor?
  10. Observe a frase: “O português, então, berrou…” Nesse contexto, a palavra português é um substantivo. Escreva uma frase em que essa palavra seja empregada como adjetivo.
  11. Após a leitura do conto de Stanislaw Ponte Preta, redija uma frase que sirva de “moral da história”.
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Gabarito:
  1. A prontidão para acreditar em algo que seja capaz de minorar suas dificuldades e sofrimentos.
  2. Os adjetivos ( piedoso, bom, tranquilo, amigo, simples, financiador ).
  3. Os parênteses foram usados para inserir uma explicação a respeito de uma palavra de uso pouco corrente, utilizada no texto.
  4. O autor quis dar ênfase àquilo que todos queriam ter naquele momento: algo que os levasse a ter esperanças. Por isso o uso do verbo querer e não falar ou gritar.
  5. Uma vela sempre aparecia acesa na hora em que o vigário, quando vivo, costumava ler o seu breviário.
  6. Não. Na frase: “Ao chegar em casa, depois do pedido – conta-se – a senhora encontrou o filho brincando, fagueiro” o uso do verbo contar seguido do pronome “se” indica que o sujeito é indeterminado, isto é, não se pode determinar quem conta a história, portanto não há como comprovar se o fato realmente aconteceu. Além disso, no final do texto encontramos a explicação a respeito da vela que aparecia acesa na casa do padre.
  7. A vinda de outros padres, coronéis e até deputados.
  8. “E o grito de “Milagre!!!” reboou por sobre montes e rios, vales e florestas, indo soar no ouvido de outras gentes, de outros povoados. E logo começaram as romarias.”
  9. O narrador afirma que o português era um ladrão pois, “…vive há muitos anos atrás do balcão, a roubar no peso…”, embora tal fato não fora comprovado. O fato dele ser um comerciante que vendia materiais à retalho é que levou o autor a emitir essa opinião.
  10. Resposta pessoal. Exemplo: O vinho português é de boa qualidade.
  11. Resposta pessoal.

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