O retrato do Brasil chega com quase três anos de atraso. A pesquisa deveria ter acontecido em 2020, mas a pandemia de covid-19 e problemas orçamentários do governo federal impediram a realização da coleta. O último Censo aconteceu em 2010. Desde então, apenas projeções buscam apontar quantos, quem são e onde vivem os brasileiros.
A gestão pública aguarda ansiosamente a divulgação do Censo para ter respostas sobre como está a população brasileira após uma década de mudanças econômicas e sociais drásticas. São esperados dados que confirmem o crescimento da população em relação ao Censo de 2010 e mostrem um país mais desigual e envelhecido."A tendência é que o Censo revele um Brasil um pouco mais urbano, mais envelhecido, mais escolarizado e mais negro, se comparado ao Censo demográfico de 2010", afirma Jimmy Medeiros, mestre em estudos populacionais e pesquisas sociais e pesquisador da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Para Márcia Castro, professora de demografia e chefe do Departamento de Saúde Global e População da Escola de Saúde Pública da Universidade Harvard, é esperado que a coleta esclareça questões relacionadas à mortalidade causada pela pandemia, a possível migração entre as regiões ou até para fora do país e por que a população envelhece mais em algumas regiões em comparação com outras. "[O Brasil] Mudou e mudou muito", diz. "É exatamente essa mudança que a gente precisa entender."
O que é o Censo?
O Censo é uma pesquisa realizada pelo IBGE a cada dez anos para fazer uma ampla coleta de dados em todos os municípios brasileiros. Ele tem como objetivo calcular os habitantes do território nacional, identificar suas características e revelar como vivem os brasileiros.
"O IBGE tem outras pesquisas, mas nenhuma retrata a realidade brasileira com tantos detalhes e em todos os setores censitários de todo o território nacional", afirma Medeiros, da FGV.
"Por isso, o Censo é relevante para planejar políticas educacionais, de saúde, previdenciárias e definir valores transferidos para o Fundos de Participação dos Municípios, dos estados e da educação básica, por exemplo."
A coleta acontece por meio de uma pesquisa quantitativa dividida em dois questionários. O questionário básico inclui 26 perguntas sobre a quantidade de pessoas que moram no domicílio, características do morador, renda mensal, identificação étnico-racial e grau de escolaridade. A existência de abastecimento de água, saneamento básico, energia elétrica também são questionadas pelo recenseador.
O outro questionário tem 77 perguntas e mergulha no perfil do morador. As perguntas vão desde a quantidade de computadores com acesso à internet até qual é o tempo de deslocamento da pessoa da casa ao trabalho.
"O Censo fornece dados de sexo, idade e unidade geográficas de forma detalhada e atualizada, para ser possível ter políticas locais que respondam às mudanças da composição demográfica", explica Castro, de Harvard.
O último Censo, realizado em 2010, contou com 191 mil recenseadores e contabilizou 190,7 milhões de pessoas morando em 5.565 municípios brasileiros. A coleta de dados durou quatro meses e indicou um aumento da concentração da população urbana de 81% em 2000 para 84% dez anos depois.
Por que o Censo é importante? Qual é sua utilidade para definição de políticas públicas?
A coleta do Censo produz informações para a definição de políticas públicas e tomada de decisão de investimento en qualquer nível de governo ou da iniciativa privada.
Os dados são utilizados para definir os repasses da União para estados e municípios, uma vez que o valor considera os números populacionais.
As informações detalhadas fornecidas pelo Censo sobre o perfil da população em determinadas áreas ajudam prefeitos, governadores e o presidente da República a definir prioridades em relação à saúde, educação, assistência social, transportes e cultura, entre outros.
"O Censo é absolutamente fundamental para qualquer país, porque vai guiar a locação de recursos e o desenho de políticas públicas. Ele vai responder se o país precisa construir mais creches ou construir mais asilo, por exemplo", explica Castro, de Harvard.
Desigualdade e pós-pandemia podem ser desafios revelados pelo Censo
Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, aponta que o desafio previdenciário com o envelhecimento da população já está posto, mesmo sem os dados atualizados do Censo.
O que pode chamar a atenção do mercado é a percepção sobre a piora da renda do brasileiro. "O que se pode ter um pouco de percepção [do mercado], em relação ao último Censo, é piora na renda e desigualdade ao longo desse período", afirma.
O economista destacou a importância da pesquisa para a definição de políticas públicas eficientes e para a economia.
Para ele, fortalecer o IBGE, tendo em vista todas as dificuldades e atrasos da pesquisa atual, é desafio de primeira hora. "Sem informação, o governo transita às cegas e precisamos do IBGE fortalecido para conseguirmos ter boas informações", finalizou.
Márcia Castro, de Harvard, aponta que um Censo após o choque de mortalidade causado pela pandemia será extremamente importante para a área da saúde.
A chefe do Departamento de Saúde Global e População da Escola de Saúde Pública de Harvard afirma que os dados coletados irão complementar o sistema do Ministério da Saúde e permitirá que planos de ação nesse pós-pandemia sejam implementados. "O Censo irá empoderar os dados do ministério. Eles poderão calcular taxas, corrigir e ter uma série história de projeção populacional correta", diz.
Dificuldades na realização do Censo 2022
Inicialmente previsto para 2020, o recenseamento foi adiado devido à pandemia. Com a resistência do governo Bolsonaro em realizar a pesquisa, em 2021, o Supremo Tribunal Federal (STF) obrigou o governo a realizar o Censo em 2022.
Na época, o Ministério da Economia autorizou R$ 2,3 bilhões para a pesquisa. O orçamento era o mesmo de 2019 e desconsiderava a inflação acumulada em 2 anos.
O recurso escasso revelou dificuldades para a contratação, o pagamento e a manutenção de recenseadores. Com isso, o Censo iniciado em agosto, e com fim previsto para outubro, foi adiado para fevereiro deste ano. O governo Lula decidiu realizou uma suplementação orçamentária de R$ 259 milhões ao IBGE.
Um novo adiamento foi realizado para seguir a recomendação do Conselho Consultivo do IBGE, formado por ex-presidentes do órgão, demógrafos e acadêmicos, a fim de garantir a qualidade da pesquisa. A coleta foi encerrada no final de maio.
Além da falta de dinheiro, a pesquisa teve como desafios a insegurança em algumas regiões do país e a recusa de muitas pessoas em responder às perguntas.
Notícias falsas a respeito de benefícios sociais cancelados de quem respondesse o Censo também prejudicou o processo.
Para finalizar o censo, o Ministério do Planejamento e o IBGE realizaram mutirões principalmente nos locais em que a coleta de dados não avançava. A operação foi realizada em favelas, condomínios de luxo e em terras Yanomami, que nunca haviam sido recenseadas.
O mutirão também conseguiu atualizar a população indígena no Brasil, estimada em mais de 1,6 milhão de pessoas, segundo balanço parcial apresentado em abril.
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