Artigo dos advogados Sâmia Zattar e Stephan Gomes Mendonça
No dia 17 de março de 2020, o Governador do Estado de Santa Catarina, Carlos Moisés da Silva, editou o Decreto nº 515/2020, por meio do qual declarou situação de emergência no território catarinense e estabeleceu medidas de combate e prevenção à pandemia causada pelo novo coronavírus.
Dentre outras providências, determinou a suspensão do transporte coletivo urbano, das atividades econômicas não essenciais — tais como comércio, academias e restaurantes — e da entrada de novos hóspedes no setor hoteleiro. Proibiu por 30 dias os “eventos e reuniões de qualquer natureza, de caráter público ou privado, incluídas excursões, cursos presenciais, missas e cultos religiosos” (art. 3º), com isso cancelando a possibilidade de realização de quaisquer festas de aniversário, casamentos, palestras e até mesmo velórios para as vítimas desse nocivo vírus.
Chama atenção a não especificação do número mínimo de pessoas cujo agrupamento está proibido, de modo a tornar demasiadamente ampla e extrema a medida, pois um simples almoço em família ou reunião de poucos amigos em casa pode ser considerado, a depender dos olhos de quem julga, “evento ou reunião de qualquer natureza”.
Embora esta medida seja de difícil fiscalização pelo Estado, é necessário conscientizar a população catarinense de que o seu descumprimento – ou de qualquer outra proibição elencada no referido decreto – pode acarretar a configuração do crime de “infração de medida sanitária preventiva”, previsto no artigo 268 do Código Penal.
Segundo a letra fria da lei, é crime infringir qualquer determinação do poder público destinada a impedir a introdução ou a propagação de doença contagiosa. Note-se o uso do vocábulo “determinação” na redação do tipo penal, que visa a abarcar qualquer forma de manifestação do poder público, sejam leis, decretos, regulamentos ou portarias, desde que emanadas, é claro, de autoridade competente. Por isso, neste período atípico que estamos vivendo, deve-se atentar não apenas para os atos oficiais do Governador, Presidente, Prefeitos ou Assembleias Legislativas, mas também dos Secretários da Saúde e Ministros de Estado.
A pena para o cidadão comum que for pego desrespeitando alguma das medidas é de detenção, de um mês a um ano, e multa. Já se o infrator for funcionário da saúde pública, médico, farmacêutico, dentista ou enfermeiro, a pena é aumentada em um terço, pois espera-se dessa categoria de profissionais que atuem com ainda mais zelo na prevenção de doenças.
Na prática, o que isso significa? Como é considerado um crime de “menor potencial ofensivo”, nos termos do artigo 61 da Lei Federal nº 9.099/95, a autoridade policial que se deparar com o delito (no mais das vezes, um cabo ou soldado da Polícia Militar) deverá lavrar um termo circunstanciado narrando o ocorrido, e determinará data para o comparecimento do cidadão perante o Juiz de Direito, que então decidirá o seu destino. Não haverá, portanto, em regra, a condução do infrator à Delegacia de Polícia para a lavratura do “auto de prisão em flagrante”, não havendo que se falar, ainda, sobre arbitramento de fiança e liberdade provisória pelo Delegado de Polícia (quando assim o couber, conforme artigo 322 do Código de Processo Penal), como acontece com a maioria dos delitos.
Muito embora possa parecer que as consequências do descumprimento das medidas decretadas pelo Governador do Estado sejam brandas — em razão da baixa pena cominada em abstrato para o delito de infração de medida sanitária preventiva —, é certo que traz uma série de transtornos para o infrator. Além de não ser agradável ser abordado por policiais militares e obrigado a comparecer em juízo, há o risco de até mesmo perder a primariedade, em caso de condenação. Assim, se não por espontânea concordância com as determinações públicas para o combate ao Covid-19, que a sua observância pela população catarinense se dê, então, por receio da aplicação da lei penal. Paciência; em breve tudo voltará a ser como antes.
Sâmia Zattar
Advogada criminalista, sócia de Zattar e Mendonça Advogados. Pós-graduada em Direito Penal Econômico pela GVLaw-SP. Pós-graduada em Teoria Geral do Crime pelo Instituto de Direito Penal Económico e Europeu (IDPEE) da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.
Stephan Gomes Mendonça
Advogado criminalista, sócio de Zattar e Mendonça Advogados. Pós-graduado em Processo Penal pelo Instituto de Direito Penal Económico e Europeu (IDPEE) da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Pós-graduado em Direito Penal Econômico pela GVLaw-SP
Nenhum comentário:
Postar um comentário