quinta-feira, 31 de julho de 2014
A polêmica do consumo de glúten
Vilão conhecido na história de pessoas com doença celíaca, o glúten, hoje em dia, parece não ter chance de agradar nem quem não é intolerante a ele. Este nutriente vem assumindo responsabilidade por diversas complicações de saúde, alterações no humor e, principalmente, ganho de peso - o que tem resultado em dietas restritivas, de um lado, e em centenas de dúvidas, do outro. Resta saber: o glúten cumpre ou não esse papel de inimigo da saúde?
Glúten está presente na maioria dos alimentos
De acordo com o gastroenterologista e especialista em emagrecimento, Dr. Sérgio Barrichello, o glúten é um conjunto de proteínas, chamadas gluteninas e poliaminas, que se encontram em cereais como o trigo, o centeio, a cevada e a aveia. Por isso, acaba por estar presente na maioria dos alimentos ingeridos no dia a dia. Muito do que se fala sobre esse nutriente, hoje em dia, diz respeito a uma propriedade de 'liga' que ele possui. Essa característica é responsável por dar uma consistência elástica e fibrosa à massa dos alimentos produzidos com ele, como o pão e o macarrão.
'O trigo, um dos cereais que contêm glúten, marca presença em praticamente todas as refeições, especialmente no café da manhã, almoço e lanche da tarde. Afinal, tortas, bolos, biscoitos e até barras de cereais possuem o trigo como base, logo, o glúten também', informa a nutricionista Carolina Nizer.
Glúten é contraindicado a quem possui doença celíaca
Segundo Carolina Nizer, as primeiras pessoas a se privarem de comidas que contenham glúten são as portadoras da doença celíaca, cujo organismo não tolera a substância. 'Essa doença é uma patologia autoimune que afeta o intestino delgado de adultos ou crianças geneticamente predispostos. Isso significa que o consumo de glúten, pelos celíacos, atrofia as vilosidades da mucosa do intestino delgado, causando prejuízo na absorção de nutrientes, vitaminas, sais minerais e água', afirma a nutricionista.
Além disso, a nutricionista ainda cita a alergia ao trigo que, junto à doença celíaca, pode ser comprovada através de testes. De acordo com Carolina, este problema é definido como uma reação imunológica adversa às proteínas do trigo. A ingestão desse alimento, em pessoas predispostas, causa algumas complicações respiratórias, como rinite (mais comum em adultos); alergias alimentares, com sintomas gastrintestinais, urticária e dermatite atópica (comum em crianças); além de urticária de contato. Os exames de alergia ao trigo incluem testes cutâneos, entre outros.
Já o Dr. Sérgio Barrichello, gastroenterologista e especialista em emagrecimento, alerta que a doença celíaca atinge cerca de 1% da população mundial e é consequência de um sistema imunológico desregulado. 'Quando o glúten é ingerido e chega ao intestino delgado da pessoa celíaca, entra em contato com a mucosa desse órgão. Então, o sistema imunológico responde, ativando a ação de anticorpos, o que deixa esta mucosa mais permeável e modifica o sistema de absorção dos nutrientes. Os sintomas clássicos incluem diarreia ou mesmo constipação, produção maior de gases, dor abdominal e sensações de estufamento e mal-estar, além de alguns problemas dermatológicos. Para que a doença celíaca seja diagnosticada, o paciente deve ser submetido à análise de anticorpos, à endoscopia e à biópsia do intestino, na qual é avaliada uma diferença no padrão daquele tecido intestinal', detalha o especialista.
Melissa Setubal: consumir glúten na forma de trigo refinado é o maior perigo para a saúde
Enquanto há diagnóstico comprovado para os que sofrem da doença celíaca, a maior dúvida atualmente reside nos sintomas negativos causados pela ingestão do glúten por pessoas não-celíacas.
'Certas pessoas costumam apresentar desconforto abdominal, distensão do abdômen, cólicas e diarreia. Alguns estudos mostram que isso pode ser a síndrome do intestino irritável, provocada supostamente pela ingestão de produtos à base de glúten. Além disso, existe outra complicação de saúde chamada de sensibilidade ao glúten, em que o paciente expõe queixas bastante claras de desconforto abdominal e é submetido a exames específicos para celíacos, cujos resultados se mostram negativos. Em ambos os casos, ainda não há comprovação científica de que as complicações existem, mas a melhora dos sintomas após a retirada do glúten leva crer no contrário', argumenta o gastroenterologista Sérgio Barrichello.
Entretanto, Dr. Sérgio alerta que o glúten não deve ser considerado o vilão da história. Há muitos detalhes a serem considerados nesses tipos de distúrbio imunológico, conhecidos por sua complexidade. 'Para ter uma noção da dificuldade do diagnóstico e do manejo do paciente que tem sensibilidade ao glúten, mas que não é celíaco, um dado do British Medical Journal mostra que há mais de 18.000 citações sobre esta sensibilidade no PubMed, uma plataforma de pesquisa de artigos médicos. Nele, em contrapartida, apenas 170 fazem referência à intolerância ao glúten. Esta é uma informação bastante importante, pois evidencia que uma pesquisa mais aprofundada sobre a sensibilidade ao nutriente está ainda em formação', avalia o gastroenterologista.
Para a nutricionista Carolina Nizer, no entanto, o consumo de glúten pode ser prejudicial em curto e longo prazos, a depender das condições da pessoa. 'Na intolerância ao glúten existe a dificuldade permanente do organismo em digerir esta proteína. E mesmo em quem não tem sensibilidade à substância, a ingestão excessiva de alimentos com glúten, associada a uma alimentação desequilibrada e pobre em nutrientes, pode provocar uma alteração da permeabilidade intestinal e acarretar uma série de sinais e sintomas como os da doença celíaca, ao longo do tempo', acredita a especialista.
O glúten também é considerado nocivo pela especialista em Saúde Integrativa Melissa Setubal, principalmente por causa da maneira como é consumido: através do trigo refinado. 'Na maioria das vezes, nós consumimos glúten na forma de trigo refinado, o que é o maior perigo. Após comermos este trigo, ocorre a fermentação do glúten presente nele, dando origem a uma goma que se fixa na parede dos intestinos e destrói a flora intestinal. Isso deixa a pessoa vulnerável a doenças, pois aumenta a permeabilidade da parede deste órgão e provoca reações no sistema imunológico', explica Melissa.
Cortar glúten da dieta facilita emagrecimento?
Os alimentos com glúten, segundo Melissa Setubal, não somente provocam ganho de peso, como também causam alterações no humor. 'Geralmente consumimos o glúten através do trigo, junto a outras substâncias como adoçantes artificiais, corantes e conservantes, característicos de alimentos industrializados, que, por sua vez, interferem diretamente no metabolismo, contribuindo com o aumento do peso. O mesmo é valido para o humor - quando a flora intestinal e a capacidade de absorção do intestino são prejudicadas, temos o nosso humor afetado. Os picos de glicose e insulina no sangue, gerados pela ingestão do trigo refinado, também impactam na forma como nos sentimos. É possível reverter o quadro apenas evitando estes alimentos', sugere a especialista.
Em contrapartida, o gastroenterologista Sérgio Barrichello explica que quem não apresenta absolutamente nenhum sintoma após ingerir alimentos com glúten não tem necessidade de restringi-lo das refeições, caso o objetivo seja o emagrecimento. 'Geralmente, a perda de peso associada à dieta do glúten acontece por causa da consequente retirada dos carboidratos, presentes nas massas e nos pães, e calóricos em sua maioria', esclarece.
O mesmo pressuposto é sustentado pela nutricionista Carolina Nizer, que expõe o que está por trás da aclamada dieta do glúten, que corta alimentos com essa substância do cardápio. 'O glúten está presente em diversos alimentos ricos em carboidratos e com alto índice glicêmico (que elevam a taxa de açúcar no sangue), a exemplo da pizza e dos biscoitos, que podem engordar e até aumentar o risco de diabetes. Essas consequências, porém, não são desencadeadas pelo glúten em si, mas pelo açúcar do carboidrato. Logo, não adianta eliminar essa proteína da dieta e continuar consumindo alimentos como arroz branco e batata para emagrecer, por exemplo. Em outras palavras, se uma pessoa está acima do peso, não é porque está comendo glúten. E se emagrece com a dieta sem glúten, não é pela ausência dele, mas pela redução do consumo do carboidrato', compara.
Alimentação Viva pode ser alternativa ao 'gluten free'
A Alimentação Viva pode ser outra alternativa para quem deseja suprimir o glúten das refeições. É o que garante a educadora neste hábito de vida, Juliana Malhardes, que explica que embora esse tipo de alimentação não se ocupe de restrições, há cardápios com e sem o glúten.
'A Alimentação Viva tem uma maneira peculiar de perceber os alimentos, que valoriza justamente a sua vitalidade. A germinação de grãos, por exemplo, é um processo que potencializa o poder nutritivo da semente. Embora os alimentos que contêm glúten também estejam incluídos no consumo - como o centeio, o trigo e a aveia - mesmo após serem germinados podem afetar os celíacos com dores corporais e alterações no humor. Por isso, as receitas típicas da Alimentação Viva podem incluir ou não o glúten, de modo que a pessoa fique livre para escolher', diz.
As dietas de transição na Alimentação Viva são um exemplo bastante atrativo a quem deseja migrar para este hábito alimentar, principalmente por substituírem os ingredientes industrializados no preparo de comidas. 'Uma transição alimentar é muito mais sofrida quando feita radicalmente. Por isso usamos as dietas de transição, que inserem aos poucos os alimentos vivos nas refeições. Os pães de trigo sarraceno, por exemplo, são feitos com grãos germinados e não contem glúten. Acredito que a alimentação deve ser encarada como uma medicina, em que a ingestão de comidas vivas proporciona benefícios e reduz a sobrecarga no corpo', opina Juliana.
Glúten é nutriente e pode oferecer benefícios
Apesar das polêmicas, Melissa Setubal esclarece que o glúten é nutriente e pode apresentar alguns benefícios para a saúde.
'O glúten possui benefícios, sim, pois é uma fonte de proteína importante para a manutenção da musculatura e da força física, além de equilibrar os níveis de glicose no sangue. Entretanto, considerando os vieses do excesso dessa proteína, é aconselhável não contar apenas com ela para nutrição. A diversidade de alimentos que inclui outros tipos de grãos e comidas proteicas deve ser explorada', aconselha a especialista em Saúde Integrativa.
A nutricionista Carolina Nizer também explica que a ausência dessa proteína não faz mal, podendo até incentivar o paciente a ter maior atenção à alimentação. 'Muitas pessoas têm buscado uma experiência sem glúten na sua dieta, ao mesmo tempo em que procuram melhorar seus hábitos alimentares. Com isso, elas têm descoberto outros tipos de farinhas - a exemplo da farinha de quinoa, de amaranto ou de grão de bico - que possuem um valor nutricional relativamente maior do que a própria farinha de trigo. A retirada do glúten não é prejudicial, mas devemos optar por uma alimentação equilibrada, respeitando os sinais que o corpo nos dá sobre possíveis intolerâncias a determinados alimentos', pondera a especialista.
De qualquer forma, o gastroenterologista Sérgio Barrichello garante que a retirada do glúten, caso seja feita corretamente, não é danosa ao organismo. 'O glúten pode ser substituído por outras proteínas de origem animal ou vegetal. O corte desse nutriente da alimentação não provoca malefícios à saúde. A recomendação que faço diz mais respeito à substituição indicada por um nutricionista devidamente capacitado, caso contrário o paciente perderá uma porção de alimentos importantes à saúde e ao bem-estar, como os carboidratos e as fibras. Se há algum problema relacionado à dieta gluten free, ele se caracteriza pela qualidade nutritiva do que é permitido consumir. Com a presença dos nutrientes necessários, ela é livre', conclui o especialista.
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