Rovaniemi, Finlândia – Um homem chegou à delegacia da cidade em 2011 com uma denúncia incomum. Ele afirmou aos policiais que um sujeito de Cingapura estava comprando o resultado dos jogos de um time de futebol profissional da cidade. A polícia não queria acreditar.
Essa cidade no círculo ártico é conhecida como a cidade natal do Papai Noel. Ela conta com um parque temático com renas, elfos e o sorridente São Nicolau. Além disso, é um destino popular para casais asiáticos que querem fazer amor sob as luzes da Aurora Boreal. Rovaniemi é famosa por muitas coisas, menos pelo crime organizado.
'Então, após alguns dias começamos a perceber que aquilo era verdade', afirmou Arttu Granat, detetive e caçador de alces aos fins de semana. 'Por isso, demos início a uma equipe de vigilância'.
Logo, os detetives descobriram que Wilson Raj Perumal, comprador de partidas vindo de Cingapura, estava à solta em Rovaniemi, trabalhando com diversos jogadores, sem que o treinador ficasse sabendo. Perumal era considerado um risco por seus comparsas de um grupo de compra de partidas vindo de Cingapura, de forma que enviaram um representante à Finlândia para dedurá-lo à polícia, afirmou Granat.
Perumal foi preso e recebeu uma segunda chance: fale tudo, ou seja deportado para Cingapura, onde a punição pode ser muito severa.
Perumal deu com a língua nos dentes. Seu relato – juntamente com documentos oficiais, investigações judiciais e entrevistas com pessoas que sabiam das operações do grupo – revelou a que ponto as apostas ilegais haviam infectado o futebol internacional, levantando ainda mais dúvidas a respeito da legitimidade do que os torcedores veem em campo.
Joao Silva/The New York Times
Nenhuma gangue de compra de resultados havia explorado as vulnerabilidades do futebol com mais intensidade que o grupo para o qual Perumal trabalhava. Esse grupo havia manipulado centenas de partidas profissionais em todo o planeta, identificando jogadores e juízes que aceitavam subornos – especialmente em países de menor renda.
Os esquemas do grupo frequentemente eram bem sucedidos, incluindo amistosos realizados antes da Copa do Mundo de 2010, preocupando as autoridades em relação a sua capacidade de evitar a compra de resultados.
Aprendendo a comprar os jogos
Perumal aprendeu a comprar jogos em uma escola informal em Cingapura, ao lado de Tan Seet Eng, um cingapuriano conhecido como Dan Tan. No início dos anos 1990, eles se reuniam em estádios onde apostadores ilegais anotavam as apostas do campeonato de futebol da Malásia e de Cingapura.
Os compradores de resultados eram tão bem sucedidos que um ministro do governo malaio estimou que eles eram capazes de comprar até 70 por cento das partidas do campeonato. A corrupção era tão generalizada que o campeonato deixou de ser realizado.
Na parte mais baixa da hierarquia dos compradores de jogos estão os 'corredores': os atravessadores que ficam entre os jogadores e os compradores. Acima dos compradores estão empresários influentes com dinheiro para bancar as compras mais caras, além da proteção necessária para garantir que a rede funcione tranquilamente.
No início do grupo, havia apenas um rei, conhecido como Tio Frankie, uma lenda entre os compradores de resultados. Ele era um empresário sino-indonésio que às vezes usava o nome Frankie Chung, mas seu nome verdadeiro não foi confirmado. Ele sabia que a expansão global do futebol representava uma série de oportunidades de compra. Tio Frankie ia a grandes eventos internacionais, como a Copa do Mundo, e tentava comprar jogadores e juízes.
Tio Frankie ensinou Tan e Perumal os segredos sombrios do futebol internacional: muitas equipes e seus funcionários são realmente pobres, de forma que há jogadores, técnicos e juízes abertos ao recebimento de propinas.
'Em todas as competições internacionais era possível encontrar apostadores', afirmou Kwesi Nyantakyi presidente da Associação de Futebol de Gana. 'Sim, em todas as competições. Eles estão lá em todas as competições. Isso acontece o tempo todo nos maiores campeonatos, na Copa do Mundo, na Copa Africana de Nações'.
'Os apostadores não são africanos', acrescentou. 'São europeus e asiáticos. Por isso, têm muito dinheiro para gastar com essas coisas'.
Na qualidade de um país repleto de jogadores talentosos, mas com pouco dinheiro, Gana é um dos países mais alvejados pelos compradores de resultados em torneios internacionais, afirmou Nyantakyi. De forma que ele não ficou surpreso em 2007, quando foi revelada uma tentativa de comprar o resultado de uma partida internacional envolvendo o famoso treinador de goleiros da equipe de Gana, Abukari Damba, que trabalhava com os criminosos de Cingapura.
Depois que alguns jogadores o denunciaram, Damba confessou e afirmou em uma audiência na Associação de Futebol de Gana que havia trabalhado com os compradores de resultado de Cingapura por 10 anos.
Entram em cena os Irmãos Sapina
Perumal se juntou ao grupo internacional de compra de resultados em 2008. Na cela onde foi interrogado em 2011, revelou o esquema do grupo para Granat e outros policiais finlandeses. O grupo possuía parceiros europeus e financiadores chineses que forneciam dinheiro supostamente lavado por meio de cassinos em Macau.
O grupo que comprava os resultados era uma rede criminosa, de acordo com os investigadores europeus. Os europeus forneciam juízes, jogadores e técnicos; Tan e os cingapurianos davam acesso a um mercado vasto e não regulamentado de apostas na Ásia.
Se os compradores de resultado contavam apenas com o juiz de determinada partida, diziam que aquele era um jogo de uma estrela. Nesse caso, o grupo asiático apostaria menos dinheiro. Se contavam com todos os jogadores e com a equipe técnica de um jogo, tinham em mãos uma partida cinco estrelas, e o grupo apostava muito mais.
O sistema havia sido criado em um quarto de hotel em Viena, em setembro de 2008, entre o grupo asiático liderado por Tan e os irmãos Sapina, dois apostadores croatas que viviam em Berlim e possuíam uma vasta rede de jogadores, juízes e técnicos corruptos. Os irmãos Sapina foram condenados duas vezes pela compra de resultados de jogos na Alemanha e estão cumprindo pena no país.
Juntos, compraram os resultados de centenas de partidas de futebol ao redor do planeta, praticamente em todos os campeonatos. Uma vez que os irmãos Sapina haviam convencido seus contatos a alterarem os resultados, Tan poderia fazer apostas no mercado asiático, o maior do planeta. Uma vez que a maior parte do mercado asiático é ilegal, as estimativas de seu tamanho variam drasticamente. Patrick Jay, executivo sênior do Jockey Club de Hong Kong, uma das maiores empresas de apostas controladas pelo governo no mundo, estima que o mercado asiático tenha gerenciado cerca de um trilhão de dólares em apostas.
'É gigantesco', afirmou Jay. 'A FIFA vive falando sobre quanto dinheiro ganha a cada quatro anos com a Copa do Mundo. Você sabe o que quatro bilhões de dólares representam nos mercados de apostas ilegais da Ásia? Uma terça-feira ruim!'.
A gangue sobrevive
Em 2011, Perumal foi considerado culpado por corrupção na Finlândia e recebeu uma sentença de dois anos de prisão. Foi liberado antes do tempo. No fim de abril, foi preso novamente na Finlândia porque, de acordo com a polícia, havia voltado ao mercado de compra de resultados e tinha um mandato de prisão internacional pendente. Agora ele pode ser extraditado para Cingapura.
No ano passado, a polícia de Cingapura prendeu Tan. Contudo, ele está em detenção por tempo indeterminado e pode não ser julgado. A presença do grupo talvez nunca seja completamente revelada.
A prisão dos dois provavelmente não colocará fim à compra de resultados na Ásia. Granat, o detetive que ajudou a acabar com as atividades de Perumal no norte da Finlândia, afirmou reconhecer o alcance do grupo.
'Lembro que comecei a levar a coisa a sério quando Wilson Raj Perumal estava na prisão há uma semana e me disse, 'Aquele jogo na semana que vem vai ter o resultado comprado'', afirmou Granat. 'Ele estava preso, mas ainda sabia o que estava acontecendo'.
Em uma entrevista recente em Kuala Lumpur, um membro do grupo discutiu quais seriam os próximos passos da organização. 'Dan Tan e os outros estão presos, mas o cartel das apostas continua firme e forte', afirmou, exigindo que seu nome fosse mantido em segredo, por medo de represálias.
'Eles já têm pessoas novas para fazer o serviço. É impossível pará-los'.
The New York Times News Service/Syndicate – Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times.
Nenhum comentário:
Postar um comentário