terça-feira, 5 de novembro de 2013

TEXTO PARA INTERPRETAÇÃO – O CARTEIRO

TEXTO PARA INTERPRETAÇÃO  O CARTEIRO (Nível Médio)
O CARTEIRO
“Quando o carteiro chegou / E o meu nome gritou / Com uma carta na mão /  Ante surpresa tão rude, / Nem sei como pude / Chegar ao portão. / Lendo o envelope bonito / No seu sobrescrito / Eu reconheci / A mesma caligrafia / Que me disse um dia: / Estou farto de ti. / Porém, não tive a coragem / De abrir a mensagem. Porque, na incerteza, / Eu meditava e dizia: Será de alegria / ou será de tristeza? / Quanta verdade tristonha / A mentira risonha que uma carta nos traz / E assim pensando, rasguei / Tua carta e queimei / Para não sofrer mais.
          A última gravação da música acima (de Cícero Nunes e Aldo Cabral) foi feita magistralmente pela sempre impecável Ná Ozzetti, em Show. E a canção me veio à cabeça com força total ao assistir o curta-metragem do Jacques Tati1, de 1947, chamado Escola de Carteiros. Tem no DVD Curtindo Jacques Tati. Recomendo principalmente para quem nunca ouviu falar nele.
          Mas vendo o Mon oncle2 entregando cartas e ouvindo a Ná, comecei a pensar no carteiro. Hoje em dia o carteiro virou um mala. Um mala direto. Fico fora de São Paulo e quando volto, depois de um mês, tem um metro de correspondência. Avisos bancários, cobranças, ofertas, convites, convites, convites, mala direta direto. Carta, nenhuma. Carta que eu digo é aquilo escrito à mão, de alguém para alguém, contando as novidades, declarando seu amor, ou encerrando uma aventura. Já não se fazem mais cartas como antigamente. O fax e depois os mails acabaram com a carta.
          Veja aquela letra: “Quando o carteiro chegou e meu nome gritou.” Existia uma relação entre o carteiro e o destinatário (que palavra!). Você  deve ter lido ou assistido O carteiro e o poeta3. Aquilo, sim, era um poeta e um carteiro.
          O carteiro fazia parte do nosso imaginário, das nossas esperanças, dos nossos amores. Escreviam-se cartas. Você pegava aquele papel de carta e sabia que ele foi manuseado lá longe, noutra cidade, noutro país, por aquelas mãos que o redigiram. E não que digitaram. Era comum algumas cartas chegarem com manchas. Lágrimas que pingavam por emoção ou dor.
          E hoje o carteiro é um mala. Oitenta por cento do que ele traz são jogados imediatamente no lixo mais próximo. A cada convite que jogo no lixo, sinto pena do carteiro. Ele caminhou quadras e quadras para me levar aquilo. Mas nada daquilo me emociona. Não recebo mais do carteiro uma comovente notícia de morte. Muito menos uma carta de amor.
          Mais malas ainda se tornam os carteiros na época de Natal, com aqueles cartões horrorosos de boas festas e um ano de paz e prosperidade. Desejar isso nos dias de hoje é uma gozação: no mundo e no Brasil. Deviam escrever: que em 2003 você segure todas. E o pior é o “junto aos seus”. Eu nunca sei quem são os meus.
          Em época de eleições, o carteiro fica insuportável com aqueles santinhos todos de deputados e vereadores. O mais engraçado é aquilo se chamar santinho e quando você olha para a cara do remetente (que palavra!), de santo não tem picas.
           (…)
          O carteiro tende a desaparecer totalmente da face da Terra dentro de – no máximo – dez anos. Tudo chegará pelo computador. Tudo! Até as malas diretas dos malas cheios de indiretas.
          Ninguém mais escreve cartas ao coronel nem ao soldado raso. Ninguém mais tem coragem de escrever num papel o seu amor eterno (ou não) e assinar embaixo. E deixar duas gotas paralelas de lágrimas carimbarem a verdade no papel.
          O carteiro está morrendo e com ele muito, mas muito mesmo de um outro mundo. De um mundo mais romântico, é claro. Onde a gente ficava no portão esperando pelo personagem, ansioso, apreensivo, tenso. E, depois de abrir a carta, sorrir ou chorar. É, a emoção não nos chega mais pelas mãos do carteiro e do porteiro.
          Como já dizia o poeta lá de cima, “quanta verdade tristonha a mentira risonha que uma carta nos traz”. É, Neruda4, já não se fazem mais carteiros nem poetas como na sua época.
( Mário Prata. In: Estado de São Paulo. 12 de fevereiro de 2003)
Notas Explicativas.
1 – Jacques Tati: cineasta francês (1907 – 1982). Em seus filmes satirizava a vida moderna. Entre seus filmes mais conhecidos destacam-se: As férias do Sr. Hulot; Meu tio; Play Time  e As aventuras do Mr. Hulot no tráfego louco. Escola de carteiro é um curta-metragem produzido em 1947.
2 – Mon oncleMeu Tio, em português, é o título de um filme do cineasta Jacques Tati, em que ele mesmo interpreta o personagem Monsieur Hulot.
3 – O carteiro e o poeta: filme baseado no romance “Ardente paciência”, do escritor chileno Antonio Skármeta. O filme narra a relação de amizade entre o poeta Pablo Neruda e um carteiro.
4 – Pablo Neruda: (1904 – 1973), escritor chileno, autor de diversas obras e premiado com o Prêmio Nobel de Literatura. ________________________________________________________________
  1. O texto apresenta uma conhecida música popular brasileira, onde o poeta descreve seu sentimento ao receber uma carta. Responda: quem recebeu a carta: um homem ou uma mulher? Justifique.
  1. O que teria motivado Mário Prata a escrever a crônica O Carteiro?
  1. Uma das características das crônicas de Mário Prata é o humor. Na passagem: “hoje em dia o carteiro virou um mala. Um mala direto”, em que aspecto linguístico está centrado o humor?
  1. De acordo com o Dicionário Aurélio, carta é uma comunicação escrita ou impressa endereçada a uma pessoa. Para o cronista, o que é uma carta?
  1. Você concorda com a afirmação do cronista de que “o carteiro tende a desaparecer totalmente da face da Terra dentro de – no máximo – dez anos”? Observe que o texto foi escrito em 2003. Justifique sua resposta.
  1. Uma das funções do pronome é a de referir-se a algo expresso anteriormente no texto. Na frase: “Desejar issonos dias de hoje é uma gozação: no mundo e no Brasil”, a que o pronome demonstrativo “isso” está se referindo?
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Gabarito:
  1. Uma mulher. A letra diz: “a mesma caligrafia que me disse um dia: estou farto de ti”. Se o remetente fosse uma mulher teria escrito “estou farta de ti”. Logo, quem remeteu foi um homem e quem recebeu foi uma mulher.
  1. A saudade que o autor sente da emoção que a figura do carteiro de antigamente produzia ao entregar as cartas e que hoje isso não é mais transmitido, uma vez que raramente alguém escreve cartas do próprio punho ou recebe pessoalmente as cartas enviadas através do correio.
  1. Na expressão “mala direto”, onde o escritor usou a expressão (que indica, atualmente, o envio de correspondências via internet, através de correio eletrônico (e-mail) com o significado de alguém importuno, que não é bem vindo, alguém que só causa incômodo.
  1. “… é aquilo escrito à mão, de alguém para alguém, contando as novidades, declarando seu amor ou encerrando uma aventura.”
  1. Resposta pessoal.
  1. À paz e prosperidade declaradas na frase anterior: “… com aqueles cartões horrorosos de boas festas e um ano de paz e prosperidade.”

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