O termo liberal não tem o sentido de
"avançado", "democrático", "aberto", como
costuma ser usado. A doutrina liberal apareceu como justificação do sistema
capitalista que, ao defender a predominância da liberdade e dos interesses
individuais da sociedade, estabeleceu uma forma de organização social baseada
na propriedade privada dos meios de produção, também denominada sociedade
de classes. A pedagogia liberal, portanto, é uma manifestação
própria desse tipo de sociedade.
A educação brasileira, pelo menos nos últimos cinqüenta
anos, tem sido marcada pelas tendências liberais, nas suas formas ora
conservadora, ora renovada. Evidentemente tais tendências se manifestam,
concretamente, nas práticas escolares e no ideário pedagógico de muitos
professores, ainda que estes não se dêem conta dessa influência.
A pedagogia liberal sustenta a idéia de que a escola
tem por função preparar os indivíduos para o desempenho de papéis sociais, de
acordo com as aptidões individuais, por isso os indivíduos precisam aprender a
se adaptar aos valores e às normas vigentes na sociedade de classes através do
desenvolvimento da cultura individual. A ênfase no aspecto cultural esconde a
realidade das diferenças de classes, pois, embora difunda a idéia de igualdade
de oportunidades, não leva em conta a desigualdade de condições.
Historicamente, a educação liberal iniciou-se com a pedagogia tradicional e,
por razões de recomposição da hegemonia da burguesia, evoluiu para a pedagogia
renovada (também denominada escola nova ou ativa), o que não significou a
substituição de uma pela outra, pois ambas conviveram e convivem na prática
escolar.
Na tendência tradicional, a pedagogia liberal se
caracteriza por acentuar o ensino humanístico, de cultura geral, no qual o
aluno é educado para atingir, pelo próprio esforço, sua plena realização como
pessoa. Os conteúdos, os procedimentos didáticos, a relação professor-aluno não
têm nenhuma relação com o cotidiano do aluno e muito menos com as realidades
sociais. É a predominância da palavra do professor, das regras impostas, do
cultivo exclusivamente intelectual.
A tendência liberal renovada acentua,
igualmente, o sentido da cultura como desenvolvimento das aptidões individuais.
Mas a educação é um processo interno, não externo; ela parte das necessidades
e interesses individuais necessários para a adaptação ao meio. A educação é a
vida presente, é a parte da própria experiência humana. A escola renovada
propõe um ensino que valorize a auto-educação (o aluno como sujeito do conhecimento),
a experiência direta sobre o meio pela atividade; um ensino centrado no aluno
e no grupo. A tendência liberal renovada apresenta-se, entre nós, em duas
versões distintas: a renovada progressivista2, ou pragmatista,
principalmente na forma difundida pelos pioneiros da educação nova, entre os
quais se destaca Anísio Teixeira (deve-se destacar, também a influência de
Montessori, Decroly e, de certa forma, Piaget); a renovada não-diretiva
orientada para os objetivos de auto-realização (desenvolvimento pessoal) e
para as relações interpessoais, na formulação do psicólogo norte-americano Carl
Rogers.
A tendência liberal tecnicista subordina a
educação à sociedade, tendo como função a preparação de "recursos
humanos" (mão-de-obra para a indústria). A sociedade industrial e
tecnológica estabelece (cientificamente) as metas econômicas, sociais e
políticas, a educação treina (também cientificamente) nos alunos os
comportamentos de ajustamento a essas metas. No tecnicismo acredita-se que a
realidade contém em si suas próprias leis, bastando aos homens descobri-las e
aplicá-las. Dessa forma, o essencial não é o conteúdo da realidade, mas
as técnicas (forma) de descoberta e aplicação. A tecnologia
(aproveitamento ordenado de recursos, com base no conhecimento científico) é o
meio eficaz de obter a maximização da produção e garantir um ótimo
funcionamento da sociedade; a educação é um recurso tecnológico por excelência.
Ela "é encarada como um instrumento capaz de promover, sem contradição, o
desenvolvimento econômico pela qualificação da mão-de-obra, pela redistribuição
da renda, pela maximização da produção e, ao mesmo tempo, pelo desenvolvimento
da ‘consciência política’indispensável à manutenção do Estado autoritário”3.
Utiliza-se basicamente do enfoque sistêmico, da tecnologia educacional e da
análise experimental do comportamento.
2
A designação "progressivista" vem de "educação
progressiva", termo usado por AnísioTeixeira para indicar a função da
educação numa civilização em mudança, decorrente do desenvolvimento cientifico
(idéia equivalente a "evolução" em biologia). Esta tendência
inspira-se no filósofo e educador norte-americano John Dewey. Cr. Anísio
Teixeira, Educação progressiva.
3
Kuenzer, Acácia A. e Machado, Lucília R. S. "Pedagogia tecnicista".
In: Mello, Guiomar N. de (org.), Escola nova, tecnicismo e educação
compensatória. 3ª ed. São Paulo, Ed. Loyola, [1988]. p. 34.
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